Modelos de formação cristã e culturas contemporâneas - VI
Globalização
Um dos elementos mais
marcantes e também mais ambivalentes das transformações culturais dos últimos
séculos é, sem dúvida, o processo da denominada globalização. Por um lado, os
contactos entre as diversas partes do globo, impulsionados a partir da
Renascença e tornados banais durante todo o século passado – sobretudo através
das tecnologias de comunicação – conseguiram instaurar relações de interdependência
entre todos os seres humanos, tornando visível o facto de todos pertencerem à
mesma condição fundamental, irmanados numa solidariedade universal. Por outro
lado, contudo, essa interacção planetária potenciou o desenvolvimento de
poderes despersonalizantes, que anulam as identidades particulares e que
desrespeitam a dignidade fundamental de cada ser humano concreto. Assim, a
inserção dos nossos contemporâneos no processo de globalização, fazendo com que
este permita uma correcta articulação entre o universal e o particular é, sem
dúvida, um dos desafios sócio-culturais mais importantes da época que vivemos.
A transmissão da fé nessas
circunstâncias deverá, por um lado, saber situar-se na ambivalência dessa
situação, tomando consciência da sua orientação mundializante e não apenas
particularista; mas, por outro lado, terá que tomar cada vez mais consciência
do dever que a vivência pragmática da fé cristã tem de dar um contributo
positivo para um melhor equilíbrio neste processo problemático.
Na sua própria tradição, o
cristianismo encontra a fonte do correcto equilíbrio entre universalidade e
particularidade, dado que radica precisamente nessa relação. A Boa Nova de
Jesus Cristo assenta na relação a uma pessoa particular, numa história
particular, através de mediações particulares; mas, do mesmo modo, não se trata
de uma Boa Nova particularista, só para uma etnia, ou só para um continente, ou
só para uma classe social: é uma proposta universal de salvação que não conhece
fronteiras de qualquer género.
Assim sendo, a
universalidade da fé cristã não se identifica com a totalidade da manipulação
de todos os recantos do globo nem com o totalitarismo da uniformidade pura. É,
antes, a universalidade do relacionamento entre particularidades reais, únicas
e irrepetíveis. Assim também a evangelização será regionalizada no concreto,
por isso sempre plural e diversificada, caso a caso; mas, ao mesmo tempo, de
dimensão universal, dirigida a todos os seres humanos sem excepção,
contribuindo por essa via para fomentar a unificação planetária, para além dos
horizontes estreitos dos particularismos culturais, e superando talvez o
desencanto pós-moderno perante as promessas irrealizáveis da economia e da
cultura mundializada.
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