Modelos de formação cristã e culturas contemporâneas - V
Humanismo
É inquestionável que uma das
marcas da cultura moderna – que, apesar de todas as crises, continua a
determinar o horizonte dos nossos valores – é a sua orientação humanista. Mesmo
que de formas muitas vezes ambíguas e até desmesuradas, a herança cultural do
judaísmo e do cristianismo mede-se sobretudo pela centralidade da pessoa
humana, sujeito de dignidade fundamental, anterior e superior a todas as
ideologias, sistemas e instituições.
O conteúdo da fé cristã
encontra aí uma das mais excelsas aplicações sócio-culturais. Tendo em conta
que essa dignidade lhe vem do próprio Deus e que só com ele a pode sustentar e
manter, a transmissão da fé deverá tornar claro que o caminho da Igreja –
porque caminho de Deus – é o próprio ser humano, na sua mais fundamental
humanidade. Por isso, o antropocentrismo não contradiz o teocentrismo; ambos se
pressupõem mutuamente, segundo a mais genuína concepção bíblica de Deus e do
ser humano.
Mas o antropocentrismo
bíblico não é individualista nem egoísta. A centralidade do ser humano é a
centralidade do outro ser humano e
não do si mesmo de cada um. Por isso,
o humanismo da fé cristã é o humanismo da completa doação ao outro, sobretudo àquele
que mais desfavorecido é pelas circunstâncias sócio-existenciais. A vivência da
fé cristã implica, por isso, doação da vida aos outros, quer no apoio concreto
a situações existencialmente difíceis, quer na denúncia profética da
desumanização das relações, no combate directo contra a pobreza, na promoção da
justiça e da paz, na defesa da vida de todos os que não a podem defender por si
mesmos, etc.
Sabemos, contudo, que a
nossa cultura actual não é univocamente humanista e que mesmo os movimentos que
se pretendem humanistas o são, por vezes, de modo muito ambíguo. O processo de
expansão dos grupos económicos contemporâneos aponta para uma clara tendência
de subjugação das pessoas humanas concretas aos interesses de sistemas anónimos
deslocalizados e despersonalizados.
Esse contexto redobra a
exigência e a pertinência de uma transmissão da fé personalizada, com a pessoa
humana no centro, quer enquanto receptor da Palavra, quer enquanto conteúdo
vivo da própria fé, que exige compromisso pelo destino dos outros.
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