Linguagem parabólica
De entre os problemas que hoje se põe à fé, a
linguagem ocupa um papel de destaque. Quando nos exprimimos, corremos o risco
de não sermos compreendidos: há algo que não funciona.
Para falarmos acerca da transcendência apenas
nos podemos apoiar naquilo que lhe é secundário e subsequente (Karl Rahner).
Com a linguagem parabólica dá-se um contributo importante para que a
experiência religiosa não fique sem voz. Esta permite que as palavras sejam
utilizadas de uma nova maneira, que expressem algo de diferente. Não reproduzem
apenas o objecto mas, acima de tudo, representam uma descrição criadora da
realidade. Dão algo mais à realidade física que esta não possui. Diz do mundo
físico mais do que aquilo que é.
Se por um lado a experiência religiosa
ultrapassa a pura inteligência e compromete a vontade, por outro é razoável. A
racionalidade verdadeira não reprime a analogia, alimenta-se dela ao mesmo
tempo que a controla.
Visto que Deus não é uma realidade do nosso
mundo, em face de um termo estrangeiro, poderíamos dizer que este perdeu o
significado. Mas não, na linguagem parabólica as palavras são elevadas. Isto porque as palavras humanas e as divinas,
da Revelação, se fundem. Sem que as divinas deixem de o ser e as humanas percam
o seu significado.
Se observarmos os resultados da filosofia da
linguagem e tomarmos a sério a força criadora da linguagem, que não se limita a
reproduzir a realidade da nossa experiência quotidiana, mas que projeta o
conjunto da realidade e a dimensão religiosa e a partir daí é capaz de chegar,
mediante as metáforas, a uma nova realidade criadora e a expressar o novo,
então encontramos a doutrina da analogia,
que vem a ser a doutrina da linguagem da fé (Walter Kasper).
Com isto não negamos a transcendência de Deus.
Pois a linguagem sobre Ele deve ser capaz de mostrar ao mesmo tempo a distância e a proximidade - aproxima Deus por
via analógica e, ao mesmo tempo, também
criam distâncias. Entre Deus e o homem existe um abismo que o próprio Deus
transcende ao dar, justamente com as imagens, a Sua presença. Deus é o
totalmente Outro.
A doutrina da analogia nasceu da ambição de
abraçar numa única doutrina a relação horizontal das categorias com a
substância e a relação vertical das coisas criadas com o Criador. A analogia,
com efeito,
«move-se ao nível dos nomes e dos predicados; ela é de ordem conceptual. Mas a sua condição de possibilidade está noutro lugar, na própria comunicação do ser. A participação é o nome genérico dado ao conjunto das soluções trazidas a este problema. Participar é, de um modo aproximativo, ter parcialmente o que o outro possui ou é plenamente»(Paul Ricouer).
Ricouer
acrescenta mais à frente:
«no jogo do Dizer e do Ser, quando o próprio Dizer está a ponto de sucumbir ao silêncio, sob o peso da heterogeneidade do ser e dos seres, o próprio Ser relança o Dizer, em virtude das continuidades subterrâneas que conferem ao dizer uma extensão analógica das suas significações. Mas, no mesmo lance, analogia e participação são colocadas numa relação de espelho, correspondendo-se exactamente unidade conceptual e unidade real».
Em resumo, podemos ver que a metáfora dá algo
mais à linguagem que a realidade física não possui. Nomeadamente na experiência
religiosa. Assim a palavra Deus expressa
a realidade de tal modo que faz brilhar no mundo “algo” que é mais que o mundo.
A linguagem sobre Deus converte o mundo em metáfora de Deus. É um chamamento a
contemplar o mundo como metáfora e as suas indicações, ou seja, a mudar o modo
de pensar, crer e esperar. A analogia faz ver outro Mundo, outro Espaço e outra
Vida.
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